sexta-feira, 23 de julho de 2010

Revoltado ou criativo



Há algum tempo recebi um convite de um colega para servir de árbitro na revisão de uma prova. Tratava-se de avaliar uma questão de física, que recebera nota zero. O aluno contestava tal concito, alegando que merecia nota máxima pela resposta, a não ser que houvesse uma “conspiração do sistema” contra ele. Professor e aluno concordaram em submeter o problema a um juiz imparcial, e eu fui escolhido. Chegando à sala de meu colega, li a questão da prova, que dizia:
“Mostre como se pode determinas a altura de um edifício bem alto com o auxilio de um barômetro.”
A resposta do estudante foi a seguinte:
“Leve o barômetro ao alto do edifício e amarre uma corda nele; baixe o barômetro até a calçada e em seguida levante, medindo o comprimento da corda; este comprimento será igual à altura do edifício.”
Sem dúvida era uma resposta interessante, e de alguma forma correta, pois satisfazia o enunciado. Por instantes vacilei quanto ao veredicto. Recompondo-me rapidamente, disse ao estudante que ele tinha forte razão para ter nota máxima, há que havia respondido à questão completa e corretamente.
Entretanto, se ele tirasse nota máxima, estaria caracterizada uma aprovação em um curso de física, mas a resposta não  confirmava isso. Sugeri então que fizesse uma outra tentativa para responder a questão. Não me surpreendi quando meu colega concordou; mas, sim, quando o estudando resolveu encarar aquilo que eu imaginei lhe seria um bom desafio. Segundo o acordo, ele teria seis minutos para responder à questão, isso após ter sido prevenido que sua resposta deveria mostrar, necessariamente, algum conhecimento em física.
Passado cinco minutos ele não havia escrito nada, apenas olhava fixamente para o forro da sala. Pergunte-lhe então se deseja desistir, pois eu tinha um compromisso logo em seguida e não tinha tempo a perder. Mais surpreso ainda fiquei quando o estudante anunciou que não havia desistido. Na realidade tinha muitas respostas, e estava justamente escolhendo a melhor. Desculpei-me pela interrupção e solicitei que continuasse. No momento seguinte ele escreveu esta resposta:
“Vá ao alto do edifício, incline-se numa ponta do telhado e solte o barômetro, medindo o tempo t de queda desde a largada até o toque com o solo. Depois, empregando a fórmula  h=(1/2)gt^2, calcule a altura do edifício.”  Perguntei então ao meu colega se ele estava satisfeito com a nova resposta, e se concordava com a minha disposição em conferir praticamente a nota  máxima à prova. Concordou, embora sentisse nele uma expressão de descontentamento, talvez inconformismo. Ao sair da sala lembre-me que o estudando havia dito ter outras respostas para o problema. Embora já sem tempo, não resisti à curiosidade e perguntei-lhe quais eram essas respostas.
- Ah !, sim, - disse ele, há muitas maneiras de se achar a altura de um edifício  com a ajuda de barômetro. Perante a minha curiosidade e a já perplexidade de meu colega, o estudante desfilou as seguintes explicações.
- Por exemplo, num belo dia de sol, pode-se medir a altura do barômetro e o comprimento de sua sombra projetada no solo, bem como a do edifício. Depois usando-se uma simples regra de três, determina-se à altura do edifício.
- Um outro método básico de medida, alias bastante simples e direto, é subir as escadas do edifício fazendo marcas na parece, espaçadas da altura do barômetro. Contando o numero de marcas ter-se-á a altura do edifício em unidades barométricas.
- Um método mais complexo seria amarrar o barômetro na ponta de uma corda e balançá-lo como um pêndulo, o que permite a determinação da aceleração da gravidade (g). Repetindo a operação ao nível da rua e no topo do edifício, tem-se dois g’s, e a altura do edifício pode, a principio, ser calculada com base nessa diferença.
- Finalmente, -concluiu, se não for cobrada uma solução física para o problema, existem outras respostas. Por exemplo, pode-se ir até o edifício e bater à porta do sindico, Quando ele aparecer; diz-se: “Caro Sr. Síndico, trago aqui um ótimo barômetro, se o Sr. Me disser a altura deste edifico, eu lhe darei o barômetro de presente.”
A está altura, perguntei ao estudante se ele não sabia qual era a resposta esperada para o problema. Ele admitiu que sabia, mas estava tão farto com as tentativas dos professores de controlar o seu raciocínio e cobrar respostas prontas com base em informações mecanicamente arroladas, que ele resolveu contestar aquilo que considerava, principalmente, uma farsa.

“Não basta ensinar ao homem uma especialidade, porque se tornará assim uma máquina utilizável e não uma personalidade. É necessário que adquira um sentimento, um senso pratico daquilo que vale a pena ser empreendido, daquilo que é belo, do que é moralmente correto” (Albert Einstein)

Waldemar Setzer, professor aposentado da USP

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