segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Uma das minhas lembranças favoritas

Rir é a melhor forma de se comunicar
Robert Fulghum


Quando comecei a sair com rapazes, com uns 18 anos, minha mãe sempre ficava acordada, me esperando chegar em casa. Assim que entrava no apartamento, ela ia comigo para meu quarto, sentava-se na cama e me fazia contar sobre o encontro. Normalmente, a essa hora, papai estava dormindo, mas nossa conversa chegava até o quarto deles, que era bem próximo. “Vocês duas vão ficar com esse papo até de manhã?”, ele reclamava. “Não podem esperar até amanhã para conversar?”
Minha mãe dizia para ele ficar quieto e voltar a dormir. Ele resmungava e ficava em silêncio por um tempo, mas depois recomeçava. “Lilian, volte para a cama. Quando ela estiver pronta para se casar com o rapaz, você faz todas essas perguntas.” Finalmente mamãe e eu nos dávamos um beijo de boa noite e ela voltava para o quarto para acalmar papai.
Meu pai, quando jovem, atuara como comediante e sapateador em espetáculos de variedades. Quando esse tipo de teatro acabou, seus sonhos em relação ao mundo das artes se acabaram também. Mas, ao longo dos anos, ele nunca perdeu a oportunidade de contar piadas, cantar ou sapatear um pouco. Era uma pessoa animada e expansiva, que sempre tinha um sorriso ou uma palavra amiga para todos.
Num fim de semana, minha mãe foi visitar uns parentes, e eu tinha um encontro no sábado à noite. Prometi a papai que não chegaria tarde demais e tentei convencê-lo de que não havia necessidade de me esperar acordado. O rapaz conheceu meu pai quando foi me buscar. Os dois se cumprimentaram e nós saímos.
Acontece que voltei mais tarde do que o prometido e, quando caminhava em direção à minha casa vi meu pai na janela do nosso apartamento no terceiro andar esperando por mim. Continuei conversando com o rapaz, tentando distraí-lo para que não visse meu pai, porque eu ficaria tremendamente sem graça. Logo que chegamos a porta do apartamento, despedi-me rapidamente e esperei até ouvir a porta do prédio fechar, antes de pegar a chave e entrar em casa.
Caminhando na ponta dos pés, via porta do quarto dos meus pais fechada. “Ótimo,” pensei, achando que meu pai fora dormir. Fiquei aliviada em não ter de lhe dar explicações sobre a hora tardia. Abri a porta do meu quarto, entrei e quase cai no chão.
Lá estava papai sentado na minha cama, com um largo sorriso e usando um dos vestidos de mamãe. O cabelo estava eriçado para cima e as pernas cruzadas. Com uma mão no joelho e outra no quadril, ele começou a falar com uma voz fina:
- Então, como foi o encontro? O que ele disse e o que você disse? Aonde foram jantar? Foram ao cinema? Vão se ver de novo? Aliás, em que ele trabalha? Ele tratou você bem? Espero que tenha sido um cavalheiro. Você acha que ele tem intenções sérias?
- Papai, calma, uma pergunta de cada vez. Foi apenas nosso terceiro encontro.
- Quero todas as informações que sua mãe tem quando você fala com ela.
Devemos ter conversado e rido por quase uma hora. Finalmente, eu disse:
- Hora de dormir, de manhã a gente conversa. Quem está cansada agora sou eu.
Papai me deu um abraço, um beijo de boa noite e me disse:
- Temos que os lembrar de todos os detalhes para contar à sua mãe quando ela chegar, para ela não achar que ficou de fora.

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